História da Ortopedia na Madeira

 

Onde se refere a origem e os antecedentes...

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Fortim do FaialA Ortopedia é uma especialidade médica  relativamente recente  apesar existirem indícios seguros das deformidades e doenças do aparelho locomotor serem conhecidas e tratadas desde a Pré-História. Cabe à escola de Hipócrates a integração deste conjunto  de conhecimentos, sendo por isso este considerado o seu verdadeiro Fundador.

Foi preciso esperar até ao séc.XVIII para que a especialidade se denominasse de ORTOPEDIA. Tal deveu-se ao francês Nicolas André  (renomeado foneticamente como Andry pelos anglófonos) que publicou uma das primeiras obras de referência em Ortopedia: L´Orthopédie ou l´art de prévenir et de corriger les defformités du corps . No entanto, A árvore de Andréfoi preciso esperar até ao século seguinte, com Thomas e Heine, para que as duas correntes existentes até então se unificassem: a Escola Mecânica (i.e. usando o tratamento conservador) e a Escola Cirúrgica (que muitas vezes era praticada discricionariamente por leigos).

As técnicas cirúrgicas só progrediram de forma significativa após o início da Era anti-séptica. Tal possibilitou um vasto leque de soluções terapêuticas na correcção das deformidades esqueléticas.

Rede para transporte de doentesA patologia ortopédica assume particular importância no contexto da vivência insular. O relevo acidentado da orografia madeirense proporcionam um desgaste acrescido ao aparelho locomotor (em especial dos componentes articulares), não só pela dificuldade de locomoção como pelo acréscimo do trabalho manual que a impossibilidade de uso de animais e maquinaria condicionam.

As características acidentadas do terreno originam igualmente uma elevada incidência de patologia traumática ortopédica e uma dificuldade acrescida na reabilitação funcional. A melhoria das condições de trabalho e de deslocação ocorridas nos últimos decénios atenuaram tal incidência. No entanto, a existência de um novo tipo de acidentes de viação, com traumatismos de alta energia, proporcionado pelas novas vias rápidas e túneis, com escassez inexplicável de zonas de segurança, determinam um novo desafio na abordagem da traumatologia na Região.

Escola Médico-CirúrgicaA assistência médica com caracter científico só tardiamente foi introduzida na Madeira, apesar de por ela terem passado e trabalhado um conjunto de médicos ilustres. Os cuidados ortopédicos melhoraram de forma significativa aquando da instituição da Escola Médico-cirúrgica do Funchal em 10 de Agosto de 1816 e confirmada 3 anos depois por Carta Régia. Tal Escola, inicialmente designada por Aula Médico-Cirúrgica, funcionava no Hospital de Santa Isabel, da Misericórdia, ocupando a antiga enfermaria dos súbditos ingleses.

Terá começado a funcionar em pleno em 1837, sendo presidida pelo Dr. António Luz Pita sendo Provedor o médico madeirense Dr. João Francisco de Oliveira. Terá sido responsável pela formação de várias centenas de médicos até ao seu encerramento em 1910. Curso de Medicina do FunchalTinha como objectivo evitar o estrago da humanidade desta Colónia, pela ignorância dos barbeiros que sem os conhecimentos próprios andam nos campos curando gente, levando à sepultura os que ainda viveriam se fossem tratados por gente menos ignorante do que semelhantes curandeiros .

A Ortopedia era geralmente praticada por leigos e médicos a ela dedicados esporadicamente. Com o desenvolvimento das técnicas cirúrgicas e já no Hospital do Monte (após 1930), iniciou-se o tratamento cirúrgico da patologia ortopédica, sendo ainda assim excepcional.

Aguarela do Dr. Lemos GomesMédicos dedicados como, por exemplo, o Dr. Lemos Gomes e o Dr. Américo Durão deram um importante contributo. Ao primeiro, exímio artista amador (aguarelista paisagista de pseudónimo Melos), devemos a concepção do Logo do Serviço de Ortopedia. Coube ao último a concepção, desenvolvimento e aplicação de um conjunto de placas de osteossíntese que lhe valeram merecido reconhecimento. Baseadas nos conceitos de construção naval, usavam-se pinos divergentes, não roscados, que eram aparafusados a placas para unir soluções de continuidade óssea. Foram fabricadas no Funchal  pelo torneiro mecânico Ornelas Melim e foram divulgadas em artigo da revista da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia. A última palavra em técnica de osteossíntese do 3º milénio (da escola suiça AO) segue uma filosofia muito similar... com mais de meio século de distância!

Placas do Dr. DurãoAs fracturas eram tratadas primordialmente com aparelhos gessados (sendo a osteossíntese reservada para situações especiais); as osteoartroses tratavam-se eventualmente com artrodese e as osteomielites frequentemente com amputação.

Foi preciso esperar até a década de 60 para que o Dr. Jaime Jardim Fernandes, Especialista em Ortopedia pelos Hospitais Civís de Lisboa, fundasse o Serviço de Ortopedia do C.H.F. a 05/10/1967. O tratamento da patologia do aparelho locomotor passou assim a ser efectuado de forma diferenciada e por quem tinha uma formação formal em Ortopedia.

Com o apoio posterior de dois Especialistas em Ortopedia, entretanto falecidos, o Dr. Manuel Perestrelo, formado no Porto e co-fundador do Serviço de Ortopedia de Braga e o Dr. António José Pita da Silva, formado nos Hospitais Universitários de Coímbra, o Serviço desenvolveu-se e expandiu-se.

Logo do ServiçoO Dr. José Alberto Rodrigues foi o primeiro Interno do Serviço e seria o responsável pela introdução da Artroscopia na Madeira. O segundo Interno foi o Dr. Carlos Nóbrega (entretanto falecido), que se dedicaria de forma exemplar à Cirurgia Artroplástica (próteses da anca). Outro Interno do serviço, o Dr. Eugênio Jardim Fernandes dedicar-se-ia à patologia vertebral, sendo responsável pela criação da Unidade de Coluna (assumiria também, sucessivamente, os cargos de Director Geral dos Hospitais e primeiro Chefe do Departamento do Aparelho Locomotor do C.H.F.).

A importância clínica e a especificidade da patologia ortopédica infantil levou à criação em 1981 da Unidade de Ortopedia Infantil pelo Dr. Luís Filipe Costa Neves, Especialista em Ortopedia pelos Hospitais Universitários de Coímbra .

Este é um dos Serviços de Ortopedia nacionais com experiência variada e constante em fixação externa, possuindo, por exemplo, uma importante experiência com osteotaxias, nomeadamente com fixador e método de Ilizarov. Tal forma de tratamento foi introduzida em 1989 pelo Dr. José António Pereira, Especialista com formação nos Hospitais Universitários de Coimbra (entretanto falecido), como forma de superar as limitações (e complicações) das técnicas usadas até então.

DIRECTORES DO SERVIÇO
PERÍODO
Dr. Jaime Jardim Fernandes 1967-1995
Dr. António José Pita da Silva 1995-1996
Dr. Luís Filipe Costa Neves 1996-1999
Dr. José António Pereira 2000-2001
Dr. Luís Filipe Costa Neves 2001-2008

Indispensáveis numa abordagem idealmente pluri-disciplinar das patologias ortopédicas salienta-se a colaboração das especialidades médicas de Reumatologia e Fisiatria que, conjuntamente com a Ortopedia, constituiram oficialmente, de 1995 a 2005, o Departamento do Aparelho Locomotor, actualmente desactivado.

CHEFES DO DEPARTAMENTO
PERÍODO
Dr. Eugénio Jardim Fernandes 1995-1999
Dr. José António Pereira 1999-2005

A prevalência de osteoartrose bem como a necessidade de proporcionar uma cada vez melhor qualidade de vida à crescente população de idosos estimulou o desenvolvimento de técnicas de artroplastia em que a articulação lesada é substituída por componentes plásticos e metálicos, permitindo o controle da dor e a retoma da função. A artroplastia da anca foi de introdução muito precoce tendo sofrido uma grande evolução técnica enquanto que a artroplastia do joelho foi introduzida em 1992 e do ombro em 1998. Terão sido efectuados milhares de artroplastias totais e um número muito considerável de hemiartroplastias, constituindo um número significativo no contexto da população da Região e mesmo do País. Ao longo da história do Serviço, em cada Artroplastia, um plano pré-operatório escrupuloso, seguido de uma cirurgia cuidada, são em regra realizados pelos Ortopedistas do Serviço de forma sistemática e em total autonomia de forma a conseguir resultados óptimos, previsíveis e consistentes.

Uma criteriosa selecção de inovações tecnológicas e um ímpeto em reformar os procedimentos, permitiram conseguir uma melhor qualidade na prestação de cuidados ortopédicos. São seguidas as actuais tendências de osteossíntese dita “biológica” ou minimamente invasiva bem como o do uso de encavilhamento centro-medular fechado nas fracturas diafisárias. Tal vai de encontro à tendência actual de mobilização precoce, de modo a evitar as sequelas devidas à doença fracturária.

É necessário uma preparação cuidadosa e um elevado rigor técnico e de anti-sépsia nas artroplastias bem como em toda a cirurgia ortopédica. A infecção das estruturas ósseas assume um carácter dramático em virtude da relativa ineficácia da antibioterapia.

De igual modo tem sido importante a participação de um corpo de enfermagem dedicado, competente e treinado nos cuidados ortopédicos.

Hospital Cruz de CarvalhoO desafio seguinte foi a instituição e dinamização de unidades de cuidados diferenciados em Ortopedia como sejam as Unidades de Coluna, Ombro e Patologia de Revisão. A presença de 6 Internos Complementares que optaram voluntariamente e em primeira escolha pela sua formação no Serviço de Ortopedia de C.H.F.  é uma garantia de renovação dos quadros médicos que permite encarar com um certo optimismo o futuro da Ortopedia na Madeira.

Em 2002 o Serviço de Ortopedia da Região Autónoma da Madeira foi o primeiro do País a implementar sistematicamente o método de Ponseti para o tratamento do Pé Boto e a organizar o primeiro Curso Ibérico sobre esta técnica, actualmente com grande expansão em todo o Mundo.

A prestação de cuidados ortopédicos na Região não se esgotam no Centro Hospitalar do Funchal nem no Centro Regional de Saúde. Um conjunto de entidades privadas proporcionam um complemento assistencial. De entre elas salientam-se as Clinicas com bloco operatório: Clinica de Santa Catarina, Clinica da Sé e Clinica de Santa Luzia, todas no Funchal.

De igual modo destaca-se o papel de um conjunto de entidades fornecedoras de material ortopédico, sem cuja existência não seria possível uma célere prestação de cuidados assistenciais.

São felizmente cada vez menos os doentes que, actualmente, se deslocam a Portugal Continental para a realização de cuidados ortopédicos, restringindo-se praticamente a algumas patologias ósseas altamente específicas ou do foro oncológico.

O Serviço conta actualmente com a colaboração de 19 médicos e foi até 2010 um dos 5 Serviços no país com idoneidade total para formação de Internos em Ortopedia.

Terminamos este resumo com a certeza de que o conhecimento de toda esta evolução histórica é um estímulo permanente para todos aqueles que nesta área trabalham em prol da constante evolução e melhoria dos cuidados assistenciais.

Em 2002 foi publicado um livro sobre a já longa História da Ortopedia da Região Autónoma da Madeira. Este encontra-se disponível para os interessados na sede das Irmãs Hospitaleiras, a troco de um donativo que reverterá a favor dessa Instituição de Caridade.

Texto Original de Mário Pereira, Funchal 2002 (revisto em 2007 e 2011)